MAURÍCIO TUFFANI,
Editor
–
Em seu pronunciamento ontem, em Brasília, na cerimônia de posse de dirigentes de companhias estatais e órgãos federais, o vice-presidente em exercício Michel Temer (PMDB-SP) enfatizou que suas medidas de contenção de recursos para enfrentar a crise econômica do país não afetarão as áreas de saúde e educação. No mesmo dia, em São Paulo, em reunião no Conselho Universitário da USP, seu ministro da Ciência, Tecnologia, Inovações e Comunicações, Gilberto Kassab (PSD-SP), afirmou que sua pasta está negociando um empréstimo de US$ 1,4 bilhão com o Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID), tentando mostrar uma forma de remediar o contingenciamento de R$ 1 bilhão aplicado ao orçamento de sua pasta pelo governo. No mesmo dia a prestigiada revista científica britânica Nature publicou uma reportagem mostrando uma das estratégias do governo da Coreia do Sul para enfrentar a crise econômica. O título da reportagem é “Por que a Coreia do Sul é o maior investidor do mundo em pesquisa”.
Inovar para superar crise
Escrita por Mark Zastrow, jornalista de ciência estabelecido em Seul, a versão impressa da reportagem tem um título diferente: “O sonho do Nobel da Coreia do Sul”. A matéria começa reportando o grande projeto científico do país destinado à busca do áxion, uma das partículas elementares previstas na mecânica quântica. Para surpresa de eventuais leitores, como o presidente Temer e o ministro Kassab, o jornalista explica que “a grande esperança é que o país possa inovar seu caminho para fora de uma crise econômica iminente — e ganhar um prémio Nobel no processo”. Para dar uma ideia do que significam os investimentos sul-coreanos em P&D (pesquisa e desenvolvimento), segue a transcrição em português de um dos primeiros parágrafos do texto de Zastrow.
A Coreia do Sul está investindo pesadamente para atingir seu objetivo. Em 1999, o investimento do país em pesquisa e desenvolvimento (P&D) totalizou 2,07% do seu produto interno bruto (PIB), um pouco abaixo da média para nações da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE). Nos gráficos de dados mais recentes, o país alcançou uma clara liderança rio ao topo. Os 4,29% (63,7 trilhões de wons ou US$ 60,5 bilhões) investidos pela Coreia do Sul em P&D em 2014 superam não só o vice-campeão Israel (com 4,11% do PIB), como também seu concorrente regional, o Japão, e os Estados Unidos. A maior parte do dinheiro vai para a pesquisa e desenvolvimento aplicada à indústria, mas o governo tem feito grandes investimentos também em ciência básica.
Liderança mundial
A reportagem se baseia nos indicadores de ciência e tecnologia da OCDE referentes aos maiores investimentos de países em P&D de 2000 a 2014, atualizados em janeiro deste ano. A tabela a seguir, copiada do site da OCDE (os dados podem mudar depressa, pois havia um aviso de previsão de atualização para ontem ainda), mostra o avanço sul-coreano nesse ranking da “Intensidade da P&D: Dispêndios nacionais brutos em P&D em percentuais do PIB, de 2000 a 2014”.
Competitividade da economia
Desde o final do século 20, os “Main Science and Technology Indicators” da OCDE têm corroborado a cada ano a compreensão de que há uma correlação estreita e praticamente direta entre esse tipo de investimento e o aumento da competitividade das economias de muitos países, não só desses mostrados na tabela acima, mas sobretudo nas economias emergentes. Esse entendimento tem sido ressaltado pela União Europeia desde 2006. Naquele ano, em que os países da instituição aplicaram em média 1,84% de seu PIB total em P&D, seus governos incluíram na chamada Estratégia de Lisboa a meta de atingir o nível médio de 3% de dispêndios para o setor.
Fusão indesejada
Enquanto o presidente e o ministro não se dão conta dessa realidade, representantes da comunidade científica concentram suas críticas ao governo Temer pela fusão do ministérios da Comunicação e da Ciência, Tecnologia e Inovação, que segundo Kassab afirmou na reunião ontem na USP, “deve aumentar o peso político da pasta, pela aproximação com a Presidência da República”. A impressão, que pode ser enganosa, passada por um acompanhamento dia a dia dos despachos da pasta de Kassab no Diário Oficial da União, mostra o espaço do MCTIC nessa publicação dominado por concessões e renovações de concessões de emissoras de rádio e televisão.
Inpe à espera de diretor
OK, esse amontoado de despachos pode dar uma impressão enganosa. Mas o governo poderia pelo menos decidir quem será o sucessor do pesquisador Leonel Perondi na direção do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe), de São José dos Campos (SP), cujo mandato de quatro anos se encerrou no dia 14 de maio. Faz mais de um mês que a então ministra interina Emília Ribeiro Curi recebeu a lista tríplice com os nomes selecionados para essa escolha por um comitê de busca, como o próprio ministério informou (“Ministra recebe lista tríplice com nomes de candidatos ao cargo de diretor do Inpe”, 27/4).
Situação irregular
Na semana passada, Direto da Ciência mostrou a seguinte explicação da jurista Odete Medauar, professora titular aposentada de direito administrativo da USP.
Mandato tem começo e tem fim, ambos definidos por ato oficial devidamente publicado. Sem a recondução por nova nomeação nessas mesmas condições, a permanência além do mandato é de fato, e não de direito. É uma situação ilegal que põe em risco os atos da administração.
Situação pior no CTI
Leitores de Direto da Ciência continuam a cobrar uma resposta do MCTIC, do ministro Gilberto Kassab, não só em relação ao Inpe, mas também em relação ao Centro de Tecnologia da Informação Renato Archer (CTI), de Campinas. Ali a situação é mais complicada, pois terminou em 17 de maio do ano passado o mandato do físico Victor Pellegrini Mammana, que nunca foi oficialmente reconduzido ao cargo, como já foi mostrado por esta coluna na semana passada (“Ministério da Ciência mantém há um ano diretor de centro com mandato encerrado” ,de 23/5, e a edição do dia seguinte).
Atrasos e manifesto
Diferentemente de Perondi, no Inpe, o diretor do CTI não tomou as medidas necessárias dentro dos prazos legais para o novo mandato. E essa foi uma das razões apontadas em um manifesto assinado por 26 dos 39 pesquisadores e tecnologistas do órgão, pedindo que Mammana não fosse reconduzido ao cargo. Em sua cerimônia de posse no CTI em maio de 2011, Mammana foi elogiado por sua atuação política pelo então ministro Aloizio Mercadante (PT-SP). Faz duas semanas que físico se comprometeu a encaminhar para Direto da Ciência um documento no qual, segundo ele, teria refutado as afirmações do citado manifesto. Mas não o fez até agora. E o ministério também até agora não deu nenhuma explicação sobre o que pretende fazer em relação ao caso.
MMA quer revogar lei do AM
O ministro do Meio Ambiente, Sarney Filho (PV-AP), divulgou ontem por meio de nota que sua pasta “se coloca, radicalmente, contra a lei estadual” sancionada na segunda-feira (30/5) pelo governador José Melo (PROS), que libera o cultivo de peixes e outras espécies exóticas nos rios da região, bastando uma autorização do órgão estadual competente, além de autorizar também o barramento de igarapés e a autorização desse tipo empreendimentos em áreas de preservação permanente. Segue um trecho da nota “MMA quer revogação de lei que permite peixes não-nativos no estado do Amazonas”.
O MMA reitera que a introdução de espécies não-nativas tem induzido a um complexo processo de degradação dos ecossistemas, de forma comprovada, com vários exemplos ao redor do mundo, sendo os casos de introdução de espécies de peixes para aquicultura alguns dos mais emblemáticos. A Organização das Nações Unidas para Agricultura e Alimentação (FAO) reconhece que a aquicultura com peixes exóticos deve ser considerada introdução intencional na natureza, mesmo que a manutenção da espécie seja em sistema fechado, devido à facilidade e frequência de escapes.
Destaques na internet
Seleção de artigos, reportagens e outros textos publicados on-line desde a coluna de ontem.
Agência Gestão de CT&I
Avaliação Educacional – Blog do Freitas
- Próximo passo: Sistema Nacional de Educação
Luiz Carlos de Freitas
Deutsche Welle
Capes – Notícias
O Estado de S. Paulo
- Ciência no Brasil está desprestigiada, afirma ex-ministro Sérgio Rezende
Herton Escobar | blog - Ministério da Ciência não acabou, diz Kassab
Fábio de Castro e Herton Escobar | São Paulo - Universidades têm grupos ‘antiocupação’
Isabela Palhares | São Paulo - Mercado editorial brasileiro tem pior desempenho desde 2002
Maria Fernanda Rodrigues | São Paulo
Folha de S.Paulo
- Kassab é cobrado por cientistas e defende fusão do Ministério da Ciência
Mariana Versolato e Reinaldo José Lopes | São Paulo - Novo teste aponta que ‘pílula do câncer’ retarda tumor de pele
Reinaldo José Lopes | São Carlos - O que as melhores universidades do mundo podem ensinar ao nosso governo
Sabine Righetti | blog Abecedário - Com a crise, vendas de livros têm a pior queda desde 2002
Maurício Meireles | São Paulo
G1
- Autoridades propõem reduzir o sal na indústria alimentícia dos EUA
France Presse - Estudos de zika têm redução no prazo para liberação de testes em humanos
Carolina Dantas | São Paulo
O Globo (website em atraso hoje)
- O partido dos artistas
Demétrio Magnoni | Opinião - Instituto Vital Brazil reduz 30% da folha com corte de terceirizados
Luiz Gustavo Schmitt | Rio de Janeiro
InforMMA
Jornal da Ciência (SBPC)
- Debate sobre Base Nacional Comum Curricular gera polêmica no Congresso
Viviane Monteiro | Brasília - Parque Tecnológico de São José dos Campos se torna o maior do País
MCTI – Notícias
- Ministro defende fórum permanente para consolidar CT&I como setor estratégico
- Em ação integrada, governo federal disponibiliza R$ 65 milhões para pesquisas sobre zika e controle do Aedes
Nature
Nossa Ciência
- Pensando alternativas para o gerenciamento da nossa Ciência
Ronaldo Angelini
The New York Times
- Silicon Valley Finds Trump’s Disruption Unwelcome
David Streitfeld | Palo Alto, Ca - F.D.A. Proposes Guidelines for Salt Added to Food
Sabrina Tavernise
Notícias Socioambientais
- Canetada do governador do Amazonas ameaça a maior floresta tropical do mundo
Nurit Bensusan - O que o governo Dilma fez (e não fez) para garantir o direito à terra e áreas para conservação?
Tatiane Klein e Marília Senlle
Retraction Watch
Science
- U.K. government isn’t tracking policy-related research
Erik Stokstad
SOS Mata Atlântica – Notícias
Valor Econômico
- Corpo técnico do IBGE vê conflito de interesse em novo presidente
Denise Neumann, Alessandra Saraiva e Robson Sales | São Paulo e Rio de Janeiro - Mudanças no IBGE e Ipea causam mal-estar
Denise Neumann, Alessandra Saraiva, Robson Sales e Lucas Marchesini | Rio de Janeiro, Brasília e São Paulo - Ex-aluno de Friedman, Rabello de Castro tem forte atuação na iniciativa privada
Cristian Klein | Rio de Janeiro - Amigo de Temer e defensor do ajuste de Levy, Lozardo foi crítico do governo Dilma
Ligia Guimarães, Flavia Lima e Lucas Marchesini | São Paulo e Brasília - Hidrovia do Mercosul sairá do papel, diz Serra
Daniela Fernandes | Paris - Eólicas, segurança energética e linhas de transmissão
Elia Ganhou | Opinião
Na imagem acima, vista aérea do Laboratório Acelerador Pohang, na Coreia do Sul. Foto: Pohang Accelerator Laboratory/Divulgação.
Apoie o jornalismo crítico e independente de Direto da Ciência
Você acha importante o trabalho deste site? Independência e dedicação têm custo. E conteúdo exclusivo e de alta qualidade exige competência e também investimento para ser produzido. Conheça o compromisso de Direto da Ciência com essa perspectiva de trabalho jornalístico e com seus leitores. (Clique aqui para saber mais e apoiar.)
Receba avisos de posts de Direto da Ciência.
Para sua segurança, você receberá uma mensagem de confirmação. Ao abri-la, basta clicar em Confirmar, e sua inscrição já estará concluída. Você sempre poderá, se quiser, cancelar o recebimento dos avisos.
Todos os direitos reservados. Não é permitida a reprodução de conteúdos de Direto da Ciência.
Clique aqui para saber como divulgar.
Pingback: C&T nº 124 03-06-2016 – Jornal Pensar a Educação em Pauta
Tuffani, boa tarde.
Será que não seria mais correto utilizar “Presidente em exercício” ao se referir ao Michel Themer?
Boa tarde, Eduardo.
Agradeço pelo aviso. Deixei passar por distração, mas já corrigi. Na verdade, o correto é “vice-presidente em exercício”.
Valeu!
Maurício Tuffani