MAURÍCIO TUFFANI,
Editor
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A Universidade de São Paulo (USP) informou ter instaurado uma sindicância que “apura uma eventual infração funcional referente à confecção e à distribuição” da fosfoetanolamina sintética, a chamada “pílula do câncer” nos laboratórios do Instituto de Química em São Carlos, segundo reportagens desta quarta-feira (13/jul) do Estadão e de anteontem à noite do portal G1.
Segundo as duas matérias, o químico Gilberto Chierice, que desenvolveu a substância, pode ter sua aposentadoria cassada, conforme o resultado dessa apuração. Mas por que a universidade diz estar apurando somente uma possível infração? A USP já considera de antemão que ninguém mais foi responsável por tudo o que aconteceu debaixo do nariz de autoridades acadêmicas?
A pergunta faz sentido com base na afirmação entre aspas atribuída à universidade nas reportagens “USP quer cancelar aposentadoria de criador da ‘pílula do câncer'”, de Rene Moreira, do Estadão, e “USP abre sindicância para investigar pesquisador da fosfoetanolamina”, de Fabio Rodrigues, do G1.
Procurando exaustivamente com a ferramenta de busca do Diário Oficial do Estado, este jornalista não encontrou nenhuma referência sobre a publicação da sindicância que a universidade afirmou ter instaurado. A consulta a esse ato administrativo seria importante para entender o verdadeiro alcance estabelecido para a apuração. Como o procedimento deve ser isento de prejulgamentos, ele deveria, por princípio, apurar todas as responsabilidades envolvidas, e não somente as que teriam sido de Chierice.
Informações necessárias
Vale observar a seguinte orientação para sindicâncias e processos administrativos disciplinares, publicada em 2014 pela extinta Controladoria Geral da União, que hoje é o Ministério da Transparência, Fiscalização e Controle.
Quais as informações que devem constar na portaria instauradora do procedimento administrativo?
A portaria, em sua redação, deve conter determinados requisitos formais essenciais. Ela obrigatoriamente deve identificar os integrantes da comissão (nome, cargo e matrícula), destacando o presidente; o procedimento do feito (se sindicância ou PAD – no caso de rito sumário, há peculiaridades); o prazo concedido pela autoridade instauradora; e indicação do alcance dos trabalhos (reportando ao nº do processo e demais infrações conexas). Sem ser essencial, também pode constar da portaria a localidade onde transcorrerá o processo.
Com base nessa se deduz que é preciso também saber se foi a reitoria ou outro órgão da USP que teria instaurado a sindicância. Se a medida foi estabelecida pelo Instituto de Química de São Carlos, a comissão encarregada não poderá apurar responsabilidades em outras instâncias da universidade, como pró-reitorias e a própria reitoria, por exemplo.
Direto da Ciência questionou a USP por meio de sua assessoria de imprensa durante a elaboração deste texto, que será atualizado se houver resposta. A universidade foi questionada por e-mail sobre se houve ou não publicação da portaria de instauração da sindicância, cuja cópia foi solicitada na mesma mensagem.
Aguardemos pela resposta. Direto da Ciência optou por publicar e perguntar ao mesmo tempo porque está com outra reportagem travada por falta de resposta da mesma universidade há nove dias.
USP responde e deixa dúvidas*
Ainda não dá para saber o verdadeiro alcance da investigação a ser realizada pela USP sobre as responsabilidades envolvidas na produção e distribuição da fosfoetanolamina. Sem nem sequer informar a data de instauração da sindicância ou pelo menos o dia do início dos trabalhos da comissão instaurada, a USP, em nota enviada no final desta tarde por meio de sua assessoria de imprensa, afirmou que o procedimento foi determinado pela reitoria e está sendo realizado em São Paulo. Direto da Ciência havia solicitado que fossem informados os termos da portaria de instauração, e sugeriu que isso poderia ser feito sem expor os nomes dos seus integrantes, de modo a evitar que eles viessem a ser expostos a pressões. Essa informação é essencial para conferir aquilo que a orientação da antiga CGU, acima transcrita, denomina “indicação do alcance dos trabalhos”. Segue a transcrição da nota na íntegra.
A Universidade de São Paulo (USP) deu início ao processo disciplinar para averiguar eventual infração funcional referente à confecção e à distribuição da fosfoetanolamina sintética. A apuração foi instaurada pela Reitoria da USP, sediada na cidade de São Paulo, SP, local onde são realizadas as reuniões.
O processo disciplinar ainda está em curso, sendo que o mesmo tramita sob sigilo até decisão final. Todo o processo e as penalidades que poderão ser aplicadas (se for o caso) estão previstas na Lei estadual n.º 10.261, de 28/10/1968, que dispõe sobre o Estatuto dos Funcionários Públicos Civis do Estado.
Assessoria de Imprensa da USP.
* Trecho acrescentado às 18h05.
Destaques na internet
Seleção de artigos, reportagens e outros textos publicados on-line desde a coluna de ontem.
Agência Fapesp
- Pesquisadores mapeiam toda a população de microrganismos da cana-de-açúcar
Diego Freire - Estudo avalia efeitos distintos do manejo florestal sustentável
Peter Moon
Agência Gestão de CT&I
- Após 15 meses, Capes volta a selecionar bolsistas para doutorado sanduíche no exterior
Felipe Linhares - Aplicativo do Observatório Nacional torna acessíveis informações da astronomia
Felipe Linhares
O Estado de S. Paulo
- USP quer cancelar aposentadoria de criador da ‘pílula do câncer’
Rene Moreira - Zerar desmatamento no Brasil pode custar R$ 5 bi ao ano até 2030
Giovana Girardi | blog Ambiente-se - Câmara aprova Acordo de Paris; texto segue para o Senado
Giovana Girardi | blog Ambiente-se - O mapa de mestres e doutores
Editorial - Contra crise, USP aprova novo PDV e redução da jornada de trabalho
Isabela Palhares - Em um dia, MEC nomeia e exonera apoiador do ‘Escola Sem Partido’
Luiz Fernando Toledo - Kiribati, um país ameaçado pelo aumento do nível do mar
Mike Ives | The New York Times
Folha de S.Paulo
- Chikungunya desafia ciência e já mata mais que dengue e zika no Nordeste
Carlos Madeiro - Macacos-pregos do Piauí usam ferramentas há mais de 700 anos
Reinaldo José Lopes - Mais um planeta anão para a coleção solar
Salvador Nogueira |blog Mensageiro Sideral - USP aprova novo plano de demissão voluntária e cotas para rede pública
Paulo Saldaña
G1
O Globo
- Para sair do passado: Alunos devem deixar o perfil de usuários passivos das tecnologias
Rafael Parente
Jornal da Ciência (SBPC)
- Faltam engenheiros de PD&I para tirar inovação do papel no Brasil
Viviane Monteiro - Qual é o lugar da ciência?
Vivian Teixeira | Fapemig
MCTI – Notícias
Nature News
- Germany enlists machine learning to boost renewables revolution
Quirin Schiermeier
Observatório do Clima
- Desmate zero é viável, dizem economistas
Claudio Angelo - Câmara aprova ratificação do Acordo de Paris
Retraction Watch
- Second retraction for researcher who faked 70+ experiments
Dalmeet Singh Chawla
Scholarly Open Access
SindCT Espacial
UOL
- Em nome do ‘progresso’, Brasil lidera massacre de ambientalistas
Ann Mary McDiarmid
Na imagem acima, cápsulas de fosfoetanolamina no Instituto de Química de São Carlos, da USP. Imagem: Cecília Bastos/USP Imagens/Divulgação.
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SE A USP SUSPENDER A APOSENTADORIA DELE A JUSTIÇA PODE RESTABELECÊ-LA.
Advogados é que não faltarão para patrocinar essa causa, inclusive a Defensoria Pública.
Até as pedras sabem que é perseguição.
O mesmo aconteceu com o Dr Sebastião Corain, em 1955. Foi perseguido, acusado de charlatanismo, mas a Justiça o absolveu.
E agora com essa moda de INDENIZAÇÃO POR DANO MORAL, a USP ainda corre sério risco de pagar uma “bolada” para Dr Gilberto a título de “indenizações por danos morais” !
Além de se recusar a consultar a Reitoria da Universidade de São Paulo, o jornalista pelo jeito ignorou também o Estatuto do Servidor Público do Estado de São Paulo. Ficou sem saber que na USP só o Reitor pode abrir sindicância, pois ele é Superintendente de Autarquia.
Artigo 272 – São competentes para determinar a instauração de sindicância as autoridades enumeradas no artigo 260.
Artigo 260 – Para aplicação das penalidades previstas no artigo 251, são competentes:
I – o Governador;
II – os Secretários de Estado, o Procurador Geral do Estado e os Superintendentes de Autarquia;
III – os Chefes de Gabinete, até a de suspensão;
IV – os Coordenadores, até a de suspensão limitada a 60 (sessenta) dias; e
V – os Diretores de Departamento e Divisão, até a de suspensão limitada a 30 (trinta) dias.
Nota de Direto da Ciência
Senhor Paulo Romero,
Imagino que as universidades estaduais paulistas sigam em suas linhas gerais a lei citada pelo senhor, cuja denominação correta é Estatuto dos Funcionários Públicos Civis do Estado de São Paulo (Lei 10.261, de 28/out/1968). No entanto, na USP os procedimentos administrativos disciplinares são regidos também pelo Estatuto dos Servidores da USP, que estabelece o seguinte.
Atenciosamente,
Maurício Tuffani
Editor
Direto da Ciência