MAURÍCIO TUFFANI,
Editor
–
Um seminário que reuniu no campus da USP em Piracicaba (SP) membros do Ministério Público, pesquisadores, juízes e representantes de organizações não governamentais, num total de cerca de 400 participantes inscritos, com transmissão ao vivo pela internet, encerrou suas atividades na sexta-feira (16/set) com um grave alerta sobre as propostas em trâmite no Congresso Nacional para flexibilizar o licenciamento ambiental.
Tomando como exemplo a catástrofe de Mariana e da bacia do Rio Doce, além do risco de outros desastres, a “Carta de Piracicaba” prevê também o retrocesso ambiental político e social, inclusive o agravamento da corrupção, se o Legislativo enfraquecer o licenciamento de atividades potencialmente degradadoras do meio ambiente estabelecido na Constituição Federal. O documento abre com as seguintes afirmações.
O Brasil não mais tolera ações e omissões que têm provocado desastres como o de Mariana e outras agressões ao meio ambiente, à saúde pública e a sustentabilidade de nossa economia. Nosso país não mais tolera a corrupção que tem sido presente em processos de licenciamento ambiental que resultaram em desastres como esse. Neste momento estão em curso no Congresso Nacional iniciativas destinadas a acabar com os avanços e garantias alcançados na Constituição Federal na defesa do direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida, impondo-se ao Poder Público e à coletividade o dever de defendê-lo e preservá-lo para as presentes e futuras gerações.
Durante os dias 15 e 16, o Seminário “Propostas de Alterações no Licenciamento Ambiental e seus Potenciais Impactos: Desregulamentação? discutiu as propostas legislativas em palestras e em grupos temáticos. Organizado pela Escola Superior de Agricultura Luiz de Queiroz (ESALQ) da USP, pelo Ministério Público do Estado de São Paulo e pela Escola Superior do Ministério Público do Estado de São Paulo, o evento apontou não só críticas, mas também sugestões para aprimorar a legislação do licenciamento.
Coordenado pelo promotor de Justiça Ivan Carneiro Castanheiro, do Grupo de Atuação Especial em Meio Ambiente de Piracicaba, o evento teve como focos principais três propostas que tramitam em regime de urgência no Congresso. A mais detalhada delas é o projeto de lei 3729/2004, na Câmara dos Deputados, com várias disposições obre o licenciamento ambiental.
As outras duas, que estão no Senado, são o projeto de lei 654/2015o, que visa acelerar a liberação de licenças ambientais para grandes empreendimentos de infraestrutura, e a proposta de emenda constitucional (PEC) 65, que prevê o fim da obrigação do licenciamento com a mera apresentação do estudo de impacto ambiental.
Dez razões para não aceitar
Na visão dos participantes do seminário, muitos dos parlamentares não só caracterizam equivocadamente o licenciamento ambiental como obstáculo ao desenvolvimento do país, mas também estão querendo enfraquecê-lo justamente neste momento de forte crise econômica, intensificada pela crise política. Em contraponto a esse apelo, que está prejudicando um debate racional e responsável, a plateia aprovou ao final do evento dez razões contra as propostas no Congresso e seu regime de urgência, relacionadas a seguir.
- Não à supremacia de interesses privados aos interesses da coletividade.
- Não à alteração do artigo 225 da Constituição Federal.
- Não ao autolicenciamento.
- Não à licença tácita por decurso de prazo.
- Não à possibilidade de apresentação do Estudo Prévio de Impacto Ambiental como substituto da licença, sem a possibilidade de qualquer contestação administrativa ou judicial.
- Não à dispensa do Estudo Prévio de Impacto Ambiental, a exclusivo critério do órgão licenciador;
- Não à possibilidade de dispensa das Audiências Públicas.
- Não à revogação da previsão de crime culposo, por conduta criminosa do servidor público nos procedimentos de Licenciamento Ambiental.
- Não à precarização do sistema de gestão ambiental.
- Não à dispensa de autorização dos municípios para uso e ocupação do solo e nas diretrizes ambientais, para fins de Licenciamento Ambiental.
Dez propostas para aperfeiçoar
- Sim à retirada do regime de urgência na tramitação dos projetos de lei sobre Licenciamento Ambiental no Congresso Nacional;
- Sim à destinação dos valores arrecadados com a Contribuição de Intervenção no Domínio Econômico (CIDE) para estruturação dos órgãos ambientais e envolvidos (aquisição de equipamentos, informatização, contratação e capacitação de pessoal), de maneira a agilizar o Licenciamento Ambiental;
- Sim ao regramento objetivo dos requisitos para o licenciamento Ambiental, de maneira a trazer segurança jurídica a empreendedores e à sociedade civil, evitando-se falta de transparência e controle dos atos do poder público;
- Sim ao cumprimento dos compromissos internacionais de proteção ao meio ambiente assumidos pelo Brasil, como em Paris, durante a COP 21;
- Sim a intervenção dos órgãos técnicos dos demais entes federativos no procedimento do Licenciamento Ambiental, tais como ICMBIO, IPHAN, FUNAI, Comitês de Bacias Hidrográficas, Conselhos Estaduais e Municipais de meio ambiente;
- Sim à manutenção do Licenciamento trifásico;
- Sim à auditoria de todas as etapas do procedimento de Licenciamento Ambiental, por instituições isentas;
- Sim à publicidade dos documentos e estudos técnicos produzidos durante o procedimento de Licenciamento Ambiental;
- Sim à educação ambiental como condicionante para emissão das licenças ambientais, a título de contrapartida;
- Sim à articulação institucional dos órgãos dos SISNAMA no procedimento de Licenciamento Ambiental.
Confira a relação das palestras e debates do seminário e a íntegra da “Carta de Piracicaba”.
Leia também:
- “MP, cientistas e ONGs listam dez pontos contra mudanças no licenciamento”, Giovana Girardi, blog Ambiente-se, Estadão, 16/set.
- “Os riscos de uma nova legislação ambiental”, Adriana Ferezim, Gazeta de Piracicaba, 17/set.
Na imagem acima, à direita, o promotor de Justiça Ivan Carneiro Castanheiro, do Grupo de Atuação Especial em Meio Ambiente de Piracicaba, na abertura do seminário que discutiu nos dias 15 e 16 de setembro as propostas de alteração no licenciamento que tramitam em regime de urgência no Congresso. Foto; Silvia Regina Gobbo/Arquivo pessoal.
Apoie o jornalismo crítico e independente de Direto da Ciência
Você acha importante o trabalho deste site? Independência e dedicação têm custo. E conteúdo exclusivo e de alta qualidade exige competência e também investimento para ser produzido. Conheça o compromisso de Direto da Ciência com essa perspectiva de trabalho jornalístico e com seus leitores. (Clique aqui para saber mais e apoiar.)
Receba avisos de posts de Direto da Ciência.
Para sua segurança, você receberá uma mensagem de confirmação. Ao abri-la, basta clicar em Confirmar, e sua inscrição já estará concluída. Você sempre poderá, se quiser, cancelar o recebimento dos avisos.
Todos os direitos reservados. Não é permitida a reprodução de conteúdos de Direto da Ciência.
Clique aqui para saber como divulgar.