Decreto de Temer foi sinal de largada para demanda reprimida de mineradores sobre área que teve milhares de títulos de exploração
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MAURÍCIO TUFFANI,
Editor
Se alguém tem alguma dúvida de que a Reserva Nacional de Cobre e Associados (Renca), extinta anteontem por decreto do presidente Michel Temer, exercia uma proteção ambiental indireta em seus 46.450 km² na Amazônia, entre o Pará e o Amapá, o mapa acima pode ajudar a mudar de opinião. A imagem mostra essa extensão do tamanho do Espírito Santo e também seu entorno salpicados de indicações das áreas correspondentes a títulos de mineração.
O governo federal divulgou ontem nota oficial afirmando que com a extinção da “o que deixou de existir foi uma antiga reserva mineral – e não ambiental. Nenhuma reserva ambiental da Amazônia foi tocada pela medida”. E acrescentou que “terá de cumprir exigências federais rigorosas para licenciamento específico, que prevê ampla proteção socioambiental”.
De fato, o decreto de Temer extinguiu apenas o monopólio da pesquisa mineral para o poder público estabelecido em 1984 com a criação da Renca. O problema é que esse status abolido agora manteve durante mais de três décadas imune à exploração por empresas de mineração essa reserva decretada naquele final do regime militar pelo presidente João Figueiredo.
OK, não dá para dizer que está automaticamente autorizada a exploração mineral com a extinção da antiga Renca. Mas não dá para ignorar que a eliminação desse status de reserva mineral, que vinha sendo solicitada havia anos por empresários do setor, é, na verdade, um “sinal de largada” para a enorme demanda reprimida pelo monopólio até anteontem exercido pela estatal CPRM (Companhia de Pesquisa de Recursos Minerais), do MME (Ministério das Minas e Energia).
Nessa área, onde há jazidas de cobre, ouro, diamante, ferro, cromo, tântalo, estanho, ouro com molibdênio, cobalto e nióbio, existiam 8.892 títulos minerários em junho deste ano, de acordo com dados do Departamento Nacional da Produção Mineral (DNPM), do MME.
A informação sobre essa quantidade de títulos e seu mapa foram mostrados em uma nota técnica enviada em junho para a Consultoria Jurídica do Ministério do Meio Ambiente (MMA) e por quatro dirigentes do Instituto Chico Mendes para a Conservação da Biodiversidade (ICMBio). (Para abrir a nota técnica em outra janela, clique aqui.)
O ICMBio é responsável por três unidades de conservação federais na região, o Parque Nacional Montanhas de Tumucumaque, a Estação Ecológica do Jari e a Reserva Extrativista do Rio Cajari mostrada no mapa abaixo, que abrange a mesma área na mesma escala apresentada na imagem acima.

Mapa da região abrangida pela extinta Reserva Nacional do Cobre e Associados (Renca), com destaque para unidades de conservação e terras indígenas. Imagem: Nota Técnica Conjunta COCUC/DIMAN/ICMBIO/DAP/SBio/MMA nº 11/2017/Reprodução.
Desarticulação
Referindo-se à intenção do governo federal de extinguir a Renca, a nota conjunta do ICMBIo informou sobre implicações da extinção para as unidades de conservação a serem preservadas. E fez, entre outras recomendações, a de que os órgãos ambientais estaduais fossem consultados devido ao fato de que a reserva mineral se sobrepunha também a áreas de unidades de conservação estaduais (Reserva Biológica Estadual Maicuru e Floresta Estadual Paru, do Pará, e Reserva de Desenvolvimento Sustentável Estadual Rio Iratapuru e Floresta Estadual, do Amapá).
Em um artigo meu publicado hoje na Folha, afirmei que é bem possível que o MMA tenha se surpreendido com a extinção da Renca ou não se preparado devidamente para ela. A nota enviada para a Consultoria Jurídica do ministério mostra que não houve surpresa. Mas o andar da carruagem indica que a pasta comandada pelo ministro Sarney Filho (PV) não teve chance de se articular para a nova situação da área, que exigirá maiores esforços dos órgãos de fiscalização ambiental e em uma região de difícil acesso na Amazônia.
Apesar da previsível demanda decorrente da retirada do status de reserva mineral, que a própria nota conjunta destaca, não houve discernimento sobre o potencial de geração da onda de reclamações que está acontecendo. Não houve uma ação de comunicação preventiva articulada com o MMA, que até agora não publicou nada sobre o assunto em seu site.
Independentemente do aspecto da opinião pública, a extinção da Renca poderia ter sido não só discutida amplamente com o MMA e outros órgão, mas também acompanhada por alguma previsão de abordagem especial para a transição, tendo em vista justamente essa demanda reprimida do setor de mineração sobre uma área reservada.
O governo, no entanto, se deu por satisfeito com a tentativa de “antídoto” para interpretações negativas inserir no decreto de extinção o inócuo artigo que afirma prevalecer “a aplicação de legislação específica sobre proteção da vegetação nativa, unidades de conservação da natureza, terras indígenas e áreas em faixa de fronteira”.
Pedido de revogação
A revogação do decreto de extinção da Renca foi pedida há pouco, no início desta tarde de sexta-feira (25), pelo deputado paulista Ricardo Trípoli, líder do PSDB na Câmara. Em seu ofício ao ministro-chefe da Casa Civil, Eliseu Padilha, o parlamentar tucano afirmou:
Ocorre que a exploração possibilitada pela extinção da Reserva Nacional de Cobre e seus associados, nessa medida, trará como consequência – conforme indica a experiência universal -, o adensamento populacional da área, o que seguramente conduzirá a uma situação de “fato consumado”, exigindo, num futuro próximo, a flexibilização do grau de proteção que atualmente se estabeleceu para as áreas de preservação situadas nos estados do Pará e do Amapá e para as unidades de conservação federal instituídas na área, o que destoa a mais não poder das diretrizes acima mencionadas, fixadas em nosso texto constitucional.
Toda essa realidade está a indicar que qualquer iniciativa no sentido de se extinguir a RENCA demandaria uma análise técnica profunda e rigorosa, sucedida de um amplo debate público, realizado entre todos os envolvidos.
Direto da Ciência questionou nesta manhã o Ministério do Meio Ambiente. Em mensagem enviada à assessoria de imprensa da pasta, a reportagem questionou se foram tomadas providências relativas à nota conjunta de dirigentes do ICMBio.
O MMA não comentou a nota técnica do ICMBio. Segue a íntegra da resposta do ministério.
O Ministério do Meio Ambiente afirma que a extinção da Reserva Nacional do Cobre e Associados (Renca) não afeta as Unidades de Conservação Federais existentes na área, pois estas são de domínio público, onde não se permite o desenvolvimento de atividade de mineração. Ademais, qualquer empreendimento que possa impactar as unidades de conservação é passível de procedimento de licenciamento específico, o que garante a manutenção dos atributos socioambientais das áreas protegidas.
Paraíso
Em tempo: em sua nota oficial de ontem, Temer afirmou também que a área da extinta Renca “não é nenhum paraíso”. Pode ser que muitos ambientalistas concordem por causa de danos ao ambiente local, como a poluição de suas águas por mercúrio, destacada hoje pela Folha.
Mas, pelo jeito, para muitas mineradoras essa área é um paraíso.
Na imagem acima, mapa da região abrangida pela extinta Reserva Nacional do Cobre e Associados (Renca), com destaque para os títulos minerários, segundo o Departamento Nacional da Produção Mineral. Imagem: Nota Técnica Conjunta COCUC/DIMAN/ICMBIO/DAP/SBio/MMA nº 11/2017/Reprodução.
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Mais um cenário sombrio promovido pela visão do curto prazo dos governos neoliberais, a demanda reprimida significará explorar tudo o mais rápido possível para fazer caixa com lucro rápido, quando o estratégico seria explorar em longo prazo, combinando mineração e planejamento territorial adequado para as ocupações pequenas e médias que gerariam riquezas e prosperidade, sem isto, mesmo que não explorem as jazidas em UCs e TIs a tendência será passar por cima da rigorosa legislação(!), criando uma sequência de paisagens de “Serras Peladas”. Se um governo afirma “não é nenhum paraíso” também aceita “é normal que as coisas sejam assim”.