Às vésperas de um novo congelamento de recursos, é preciso brecar a desinformação sobre investimentos públicos e privados
–
MAURÍCIO TUFFANI,
Editor
O governo federal confirmou na terça-feira (23) que nos próximos dias congelará parte dos recursos aprovados na Lei do Orçamento Anual da União para 2018. Além do bloqueio de recursos destinados às instituições de pesquisa, também são esperados os argumentos contrários a esse tipo de gasto com dinheiro público. Principalmente após toda a desinformação promovida em novembro pelo Ministério da Fazenda ao divulgar uma avaliação desastrosa sobre as universidades federais (ver “Relatório do Banco Mundial compara alhos com bugalhos no ensino superior”).
Têm sido recorrentes alegações de formadores de opinião de que nos países desenvolvidos praticamente toda a pesquisa, inclusive nas instituições de ensino superior, seria custeada por meio de recursos privados. E que as universidades públicas brasileiras deveriam seguir esse caminho. Mas isso não passa de conversa fiada. Não é o que acontece, nem mesmo nos Estados Unidos.
De fato, existem investimentos privados para pesquisa em faculdades e universidades dos EUA. No entanto, desde meados do século 20, a maior parte dos recursos aplicados em pesquisa nessas instituições, inclusive particulares, são públicos, principalmente do governo federal, segundo o Centro Nacional de Estatísticas de Ciência e Engenharia da Fundação Nacional de Ciências dos EUA (NSF). Os dados são obtidos por meio da pesquisa anual Higher Education Research and Development Survey (HERD), da NSF.
Nos anos 1960, os recursos federais chegaram a corresponder a 73% do total investido em pesquisa e desenvolvimento (P&D) em universidades dos EUA. A partir dos anos 1990, essa participação diminuiu, mantendo-se na média anual de aproximadamente 60%. É o que mostra acima, logo antes do início do presente artigo, o quadro do financiamento para ciência e engenharias (S&E) nas universidades do país, elaborado pela Associação Americana para o Avanço da Ciência (AAAS).
Verba federal
O quadro a seguir mostra a composição desse financiamento de 1990 a 2016, de acordo com suas fontes, em valores corrigidos para 2017.

Investimentos em pesquisa, por valor e fonte, para instituições de ensino superior dos EUA. Fonte: Centro Nacional de Estatísticas de Ciência e Engenharia da Fundação Nacional da Ciência. Imagem: AAAS/Divulgação.
Em dólares ajustados à inflação, o financiamento federal anual para a P&D nas instituições de ensino superior dos EUA aumentou de cerca de US$ 8 bilhões na década de 1960 para cerca de US$ 40 bilhões nos últimos anos.
Nesse mesmo período, o percentual da participação da indústria no total de aportes até dobrou, mas em um patamar muito menor, de menos de 3% para aproximadamente 6%, segundo o Programa de Orçamento e Política de P&D da AAAS.
Na verdade, nos Estados Unidos e em praticamente em todos os países, a maior parte do investimentos em P&D não só em universidades, mas também em instituições de pesquisa, é público, como mostrei anteriormente, em meio à discussão e à desinformação em torno do contingenciamento de recursos para ciência (“Investimentos públicos e privados para ciência: não é bem assim, Sardenberg”).
Resultados
Tão importante quanto desfazer essa desinformação é mostrar os resultados desses investimentos. Em sua edição de dezembro, a revista Pesquisa Fapesp mostrou que os dispêndios em P&D das universidades do EUA totalizaram US$ 72 bilhões, enquanto no Brasil, em 2015, o dado correspondente (então mais recente) foi de R$ 19,1 bilhões, equivalente a US$ 10,2 bilhões PPC (paridade de poder de compra).
A revista mostrou também que essa diferença se refletiu na produção científica registrada em publicações internacionais: 483 mil estudos dos EUA e 53 mil do Brasil em 2015. Confira nos infográficos da seção Dados da revista Pesquisa Fapesp em “Resultados dos dispêndios em P&D nas universidades”.
Apesar disso, enquanto no Brasil temos laboratórios sendo fechados e pesquisadores mudando de profissão ou indo embora, na China, onde a produção científica ultrapassou a dos Estados Unidos, o governo não só investe cada vez mais em pesquisa, mas também desafia seus pesquisadores a fazerem do país uma superpotência da ciência.
Leia também:
- “China é o país que produz mais artigos científicos no mundo. Brasil é o 12º” (Daniela Klebis, Jornal da Ciência)
- “Excelência acadêmica requer custeio público” (Fernanda de Negri, Marcelo Knobel, Carlos Henrique de Brito Cruz, Estadão).
Na imagem no alto, quadro de distribuição por fonte dos investimentos em pesquisa para instituições de ensino superior dos EUA. Fonte: Centro Nacional de Estatísticas de Ciência e Engenharia da Fundação Nacional da Ciência dos EUA. Imagem: AAAS/Divulgação. Imagem: AAAS/Divulgação.
Você acha importante o trabalho deste site?
Independência e dedicação têm custo. Com seu apoio produziremos mais análises e reportagens investigativas. Clique aqui para apoiar.
Receba avisos de posts de Direto da Ciência.
Para sua segurança, você receberá uma mensagem de confirmação. Ao abri-la, basta clicar em Confirmar, e sua inscrição já estará concluída. Você sempre poderá, se quiser, cancelar o recebimento dos avisos.
Todos os direitos reservados. Não é permitida a reprodução de conteúdos de Direto da Ciência.
Clique aqui para saber como divulgar.
Embrapi. Procurem no pai de seus argumentos.
Bom lembrar que mesmo estas pesquisas que deram origem a avanços tecnológicos, como das empresas citadas, tiveram início nas universidades, seja explorando aplicações da ciência “pura” (que indústria nenhuma se dispõe a investir), seja alavancando resultados colhidos nos centros de pesquisa (boa parte financiados com recursos públicos, pelo risco do investimento) ou contratando pesquisadores formados essencialmente com recursos públicos. Além disso, TODAS estas empresas, sem exceção, se valeram de recursos públicos em alguma fase de seus projetos mais exitosos. Notem que isso não é ruim, per se. Afinal, para alguns avanços, dado o nível de investimento, é preciso amortizar os riscos e é justo que a sociedade seja partícipe deste “rateio”, desde que se beneficie dos resultados. O problema é dizer que tais resultados sejam majoritariamente atribuídos ao capital e iniciativas privadas.
Fui professor/pesquisador na UFRJ e tive verba de empresas, assim como a Cope também tem. A questão que ninguém quer tocar é a folha do pagamento. Nos EUA, o pesquisador pode ser apenas isso, sem a obrigatotiedade de dar aulas. No Brasil, vigora o regime de DE (dedicação exclusiva) que soma cerca de 9.000 reais aos vencimentos de todos os professores federais que tem ainda a estabilidade e aposentadoria integral. E nem vamos falar do tempo perdido em sucessivas greves.Os servidores administrativos, por sua vez, trabalham, “oficiosamente” em dois turnos de seis horas e todos tem a mesma estabilidade funcional. Concursados, só o foram a partir de 1988. Houve três enormes “trens da alegria” em 1982, 1984 e 1986, Enfim, os ralos da universidade são muitos e os servidores são, hoje, o nó górdio da questão. É impossível comparar este cenário com qualquer outro dos EUA ou Europa.
Maurício,
Ótimo texto, mas fiquei com uma dúvida: você sabe dos dados por área?
Tenho a impressão de que esses gráficos juntam de sânscrito a propulsão a jato e certamente os investimentos da indústria nessas áreas devem ser muito diferentes. Sem esses dados, fica difícil julgar qual o papel real da indústria na ciência produzida nos EUA, digo, na ciência que gera patentes.
Agradeço qualquer dica sua. Abraço.
Caro Jesus,
Boa observação. Só não explorei esse aspecto porque meu objetivo foi mostrar a responsabilidade do governo federal dos EUA no financiamento da pesquisa das universidades.
Na mencionada página do Programa de Orçamento e Política de P&D da AAAS há links para gráficos da distribuição de recursos para as diferentes áreas acadêmicas. Para as ciências sociais e “outras”, a distribuição dos recursos aparece diferenciada entre federais e não-federais. Mas os valores mostrados são muito menores que os das engenharias e hard sciences.
Obrigado! Valeu!
Abraço!
Olá Tuffani, muito interessante esse levantamento. Entretanto, no que diz respeito aos formadores de opinião (assisti à entrevista em referência), entendi que o que o entrevistado quis dizer, ao sustentar que as Universidades devem buscar recursos de outras fontes, não foi necessariamente substituir totalmente a verba pública pelas parcerias privadas ou “venda de peaquisas”, mas ele pode eatar sugerindo que se explore a fatia proporcionada por essas parcerias e não ficar refém somente dos cada vez mais escassos recursos federais. Tal como você comentou, hoje o governo americano financia 60% ainda das pesquisas naquele país, assim, tendo-se isso como referência, o entrevistado pode estra sugerindo que se busque essea 40%, ou 20, ou 10, como complemento ao que falta dos recursos federais; não entendi necessariamente que ele prega a total substituição da matriz ou fonte principal de financiamento. Essa foi minha interpretação.
Por fim, acho que a ciência não deve se curvar aos interessea privados em sua totalidade, pois assim teríamos uma ciência feita para criar meramente novos produtos, serviços e necessidades impistas e inventadas, distanciando-se de sua proposta original, que e a busca pela verdade e o conhecimento para o bem da coletividade humana.
Abraços.
Caro Sérgio,
De fato, a argumentação de Sardenberg começou por essa linha que você aponta, mas descambou para outro caminho. No artigo acima eu menciono meu outro texto “Investimentos públicos e privados para ciência: não é bem assim, Sardenberg”, no qual afirmo:
Abraço!
Teria que se buscar soluções de curto prazo com o empreendedor individual. Exemplo prático é formas de otimizar coleta seletiva em cooperativas de reciclagem através de convenios. Tem muito engenheiro com diploma debaixo do braço sem serviço e que poderia estar atuando neste ramo. E não precisa fazer artigo rebuscado com linguagem difícil. A burocracia acadêmica atrasa a vida de muita gente. Principalmente do contribuinte.
Pingback: De onde vem o dinheiro para pesquisa nas universidades dos EUA? – Direto da Ciência – LaDCIS UFRGS
Reportagem tendenciosa que só serve para provocar os ânimos esquerdistas contra o governo que nada mais quer senão manter o equilíbrio das contas do orçamento da União.
O Estado brasileiro é oneroso e corporativista, não priorizando a educação e ciência DE PROPÓSITO, eternizando a pobreza e a ignorância dos incautos. Somos o País dos ‘SALVADORES DA PÁTRIA”…
E o estudo qualitativo do investimento público americano? E a forma descentralizada dos investimentos? E os métodos de controle do dinheiro investido?
Comparar dados quantitativos sem levar em conta a escala não é nada científico.
Muito bom, e como sempre, oportuno!
Óbvio que a indústria investe pouco e o e o estado investe muito em universidades. Os donos de grandes somas de capital e os empreendedores querem resultados de verdade, não currículo inflado e pesquisa inútil. Não é por acaso que os grandes avanços tecnológicos estão na iniciativa privada, vide Tesla, SpaceX, Pfizer, Monsanto, Welcome-Glaxo, Boening…
Muito bom, Carlos!
Fui pesquisador por mais de dois anos recebendo bolsa do CNPq e vi que algumas pesquisas, dentro do projeto, eram desnecessárias e por assim dizer: um desperdício de dinheiro público.
Sou a favor do investimento público em pesquisas sim!
Sou contra desperdícios de tempo, dinheiro e pouco ou nenhum resultado prático.
Tem muito repeteco de artigos publicados e pouca inovação nas coisas mais simples.
Palavras-chave deste comentário: “resultado de verdade”. Concordo.
Parabéns! Demoliu uma conversa fiada que vem se arrastando há anos! Matou a cobra e mostrou o pau!