Projetos e medidas provisórias alteram licenciamento e multas, facilitam grilagem e agrotóxicos e reduzem unidades de conservação.
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CÍNTHIA LEONE
Terça-feira, 10 de março de 2020, 7h59.
Pouco mais de um ano após a chegada de Jair Bolsonaro (sem partido) à Presidência da República, projetos de lei e medidas provisórias estão prontos para votação no Congresso Nacional, com potencial para enfraquecer a proteção ambiental da legislação brasileira. Já aprovadas nas comissões, as propostas, que aguardam decisão dos parlamentares, tratam de vários aspectos da relação entre as atividades produtivas e o meio ambiente.
Licenciamento
Entre os principais projetos de lei está o que trata da mudança no licenciamento ambiental, o PL 3729/2004, que tramita há 15 anos no Congresso e acabou por absorver ao menos 20 outras proposições. Segundo ambientalistas, o texto atual resultou de uma alteração de “última hora” pelo deputado Kim Kataguiri (DEM-SP), que desconsiderou os debates realizados entre os setores produtivos, cientistas e governo.
Em nota de repúdio, ambientalistas afirmam que a nova lei criará o autolicenciamento e excluirá populações diretamente atingidas pela tomada de decisão. Além disso, o PL propõe que cada estado crie regras próprias, o que pode gerar uma disputa entre os entes da federação.
O licenciamento para atividades de exploração mineral foi desmembrado em outro projeto de lei, o PL 2785/2019, criado por deputados de Minas Gerais de diferentes partidos. A separação busca impedir que o debate sobre os riscos da mineração contaminasse a discussão sobre as regras gerais para licenciamento.
O PL, que deve tramitar simultaneamente ao projeto de licenciamento geral e reúne o conteúdo de outras 21 propostas, endurece o licenciamento para o setor. Ele prevê a proibição de licença para operação ou ampliação de barragens que utilizem o método de alteamento a montante – o mesmo utilizado na barragem da Vale rompida em Brumadinho (MG) em 2019. O texto também indica a revogação definitiva de licença para mineradoras quando houver graves riscos à vida humana, ao meio ambiente e ao patrimônio público ou após a ocorrência de acidentes ou desastres.
‘Fundão do Salles’
Apelidada de ‘Fundão do Salles’, a Medida Provisória 900/2019 autoriza a União, por intermédio do Ministério do Meio Ambiente (MMA), a contratar instituição financeira oficial, sem licitação, para criar e gerir fundo privado com o objetivo de receber os recursos decorrentes da conversão de multas ambientais. Essas penalidades, por sua vez, receberiam um desconto de 60% para o pagamento, independentemente de sua natureza. O Ibama tem cerca de R$ 38 bilhões a receber em multas não pagas.
Em nota técnica sobre a MP, o Observatório do Clima chama a atenção para o valor inicial previsto para o fundo, que mesmo com os descontos pode chegar a R$ 7 bilhões – mais que o dobro do orçamento do MMA em 2019, que foi de R$ 2,8 bilhões. Ainda na nota, os autores criticam as regras previstas para utilização dos recursos: dependem da decisão exclusiva do ministro do Meio Ambiente, Ricado Salles (Novo-SP); permitem doação a prefeituras, inclusive em ano eleitoral; e também preveem doação a empresas – o que vem sendo chamado de ‘bolsa-empresário’.
Grilagem
A ‘MP da Grilagem’, como vem sendo chamada a Medida Provisória 910/2019, visa permitir que terras públicas sem destinação com até 2.500 hectares se tornem propriedade de quem as ocupou, mesmo que irregularmente. A mudança já está em vigor desde 10 de janeiro de 2020, mas precisa ser votada pelo Congresso em até 120 dias a partir da publicação para não perder a validade.
Em matéria publicada pela BBC Brasil, o repórter João Fellet destaca que a MP é uma ameaça sobretudo à Floresta Amazônica – segundo o Instituto de Pesquisa Ambiental da Amazônia (Ipam), 35% das áreas desmatadas no bioma entre 2018 e 2019 são terras públicas não destinadas.
‘Jabutis’
A MP 901/2019foi criada para doar terras da União aos estados do Amapá e Roraima. Mas acabou sendo aproveitada e distorcida por parlamentares dos dois estados para permitir a redução de áreas de unidades de conservação. Um dos ‘jabutis’ – como são chamadas as emendas parlamentares que não têm relação com o objetivo da lei proposta – altera o Código Florestal para diminuir de 80% para 50% a Reserva Legal nos Estados da Amazônia. O outro retira da Floresta Nacional de Roraima um trecho de aproximadamente 5 mil hectares.
A manobra foi denunciada por grupos ambientalistas, como o Climate Policy Initiative. A MP ainda não está em vigor e aguarda votação no Congresso. Em 2018, o STF pacificou o entendimento de que a Constituição proíbe redução de área de proteção ambiental por medida provisória.
Agrotóxicos
Entre as diferentes propostas que visam alterar a lei que regula o uso de agrotóxicos no país, duas já podem ir à votação e são antagônicas. O PL 6670/2016 busca fortalecer o controle do uso de pesticidas, desestimular economicamente o uso dessas substâncias e promover sistemas de produção sem químicos, além de criar zonas de uso restrito de agrotóxicos e também zonas livres da influência de agroquímicos e transgênicos.
Na contramão está o PL 6299/2002, apelidada por ambientalistas de “PL do Veneno”. Criada pelo ex-senador e ex-ministro da agricultura Blairo Maggi (PR-MT) e pronta para votação desde o final do governo de MIchel Temer (MDB), a proposta busca facilitar a liberação de agrotóxicos.
Atualmente, a comercialização de um agrotóxico depende da análise de três órgãos do governo: o Ibama (Meio Ambiente), a Anvisa (Saúde) e o Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (Mapa). O PL criaria a Comissão Técnica Nacional de Fitossanitários no âmbito do Mapa, que definiria boa parte da regulamentação sobre agrotóxicos prevista na nova lei.
O texto indica ainda flexibilização para produtos potencialmente agressivos para saúde humana quando houver divergência de entendimento entre cientistas, permite a criação de pesticidas genéricos ou equivalentes e busca banir o uso da palavra “agrotóxico”, substituindo-a por “defensivo fitossanitário e produtos de controle ambiental.”
Na imagem acima, o presidente da República, Jair Bolsonaro, e o ministro do Meio Ambiente, Ricardo Salles, participam da solenidade de lançamento do Programa Lixão Zero. Foto: Valter Campanato/Agência Brasil.
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Faltou o PL 191/2020, que trata de atividades extrativistas e infraestruturas em Terras Indígenas. Na página da ABA há um nota sobre o assunto: http://www.portal.abant.org.br/2020/02/19/nota-sobre-o-projeto-de-lei-pl-no-191-2020/
Muito obrigada pelo comentário, professor! Realmente, o PL em questão é muito importante, mas desta vez incluímos apenas os projetos que já passaram pelas comissões e estão prontos para votação em plenário. Um abraço!